domingo, 23 de outubro de 2022

A importância do Largo

 

   

O Largo com os jacaradás floridos

   "por esta altura, na primavera, os Jacarandás floriam viçosos e eram

 parte de todos os acontecimentos importantes. 

  Até dava gosto aperaltarmo-nos para vir passear ao largo que 

 fervilhava de vida! Lembro-me bem de ser à sombra dos Jacarandás 

 que os saltimbancos e os palhaços faziam as suas habilidades, e que 

 eu e os outros moços os tentávamos imitar.

  Era também aqui que fazíamos os nossos primeiros jogos a medir forças. 

  Experimentávamos assim as primeiras valentias e marcávamos posições

mas nesse tempo sabia-se de tudo aqui no   Largo...era aqui que 

 primeiro chegavam as notícias desse mundo! e também, à falta de 

 notícias, era aqui que se inventava alguma coisa que se parecesse

 com a verdade, e com o passar do tempo essa coisa inventada vinha a ser

 a verdade! 

  Aquilo que vinha do Largo tinha a força da verdade. 

  Era assim, o Largo era o centro do mundo.

  Para nós homens é que o Largo era o começo do mundo. Quem lá 

 dominasse, dominava o mundo, e nós moços, sonhávamos com o dia 

  em que seríamos aceites no Largo, no meio dos homens 

 sabedores que instruíam a Aldeia, dos contadores de histórias 

 fantásticas e até dos mestres-ferreiros, dos camponeses e donos do 

 comércio. Era aqui que aprendíamos o que era a vida e como se 

 chegava a homem de respeito."

                                   António Gambóias 


Aldeia Velha - A escrita de um texto

 

É sempre desafiante a escrita de um texto para teatro a partir de memórias vividas na primeira pessoa, que lhe confere um espírito neorrealista. Para o autor, o professor de teatro e ator António Gambóias “o teatro não pode deixar de ser uma arte interventiva! Com a escrita de Aldeia Velha quis problematizar nos dias de hoje, numa região envelhecida e empobrecida, temas que afinal são de sempre e nos confrontam com a clássica pergunta: não estaremos em presença de um mundo vivo de gente já morta?”

     António Gambóias

Aldeia Velha

 Um eco que ressoa de memórias entranhadas no pó das Aldeias.

Uma memória distante da companhia dos rádios, das conversas no Largos, da gente sã do campo.

Uma reconstrução com o olhar virado para o futuro!






sábado, 22 de outubro de 2022

Alunas do Agrupamento Pinheiro e Rosa participaram no programa DiVaM

 Beatriz Barroso, Constança Ferreira, Luna Ruivo e Maria Resende foram as quatro alunas do Agrupamento de escolas Pinheiro e Rosa que conduziram o público num labirinto de Vozes sem Fronteiras. Começaram numa evocação à voz feminina que se liberta da sua condição de escrava submissa.  

Conduziram o público até um templo de harmonia, onde atuou o coral Outras Vozes.


 Prosseguiram para um momento de assunção do Corpo e da Palavra com Catarina Silva, 



e de ironia com o poema À espera dos Bárbaros, dito por António Gambóias.



Convidaram o público a Viver Apenas, recordando que o tempo é efémero.







Este espetáculo, apresentado no dia 15 de outubro nas ruínas de Milreu, teve o apoio da Direção Regional da Cultura do Algarve.


Sou uma mulher, nem mais, nem menos


   Nem menos, nem mais



Sou uma mulher. Nem mais, nem menos.
Vivo a minha vida como ela é
fio a fio
e fio a minha lã para vesti-la, não
para acabar a história de Homero ou o seu Sol
e vejo o que vejo
tal como é, na sua aparência.
e no entanto fixo o olhar uma
e outra vez na sua sombra
para sentir o pulso da perda,
e escrevo um amanhã
sobre as folhas de um ontem: não há voz
apenas o eco.
Gosto da ambiguidade necessária nas
palavras daquele que viaja de noite em direcção ao que já
se foi
da ave sobre as colinas das palavras
sobre as açoteias das aldeias.
Sou uma mulher, nem menos, nem mais.

Faz-me voar a flor de amendoeira,
no mês de Março, da minha varanda,

saudosa de um dizer distante:
– Toca-me, para que eu leve os meus cavalos à água das
nascentes.
Choro sem razão aparente, e amo-te
a ti como és, sem obrigação
sem ser em vão.
e dos meus ombros levanta-se o dia sobre ti
e quando te abraça desce uma noite sobre ti
e eu não sou isto nem aquilo
não, não sou Sol nem Lua
sou uma mulher, nem mais, nem menos.

É que eu
eu gosto de ser amada como sou
não uma imagem
colorida no jornal, ou uma ideia
entoada no poema entre os cervos...
(...)
Eu sou quem sou, como
tu és quem és: moras em mim
e eu moro em ti sobre ti para ti
amo a claridade necessária no nosso mistério partilhado
sou tua quando transbordo da noite
mas não sou uma terra

não sou uma viagem
sou uma mulher, nem mais, nem menos.

Cansa-me
o ciclo da Lua mulher
adoece a minha guitarra
corda
a corda
sou uma mulher,
nada menos
nada mais!

Mahmûd Darwîsh, O leito de uma estranha

Catarina Silva

 

Vozes sem Fronteiras



 As vozes sem fronteiras surgem da rudeza das pedras e da profundeza das águas. São vozes que desafiam as ampulhetas artificiais e se impõem à contemporaneidade. Com as alunas do Agrupamento de escolas Pinheiro e Rosa, o coral outras vozes e os atores Catarina Silva e António Gambóias.