quarta-feira, 6 de julho de 2016

As cartas censuradas

Minha joia muito querida,
                                                                                                                                                   Faz hoje um mês que nos despedimos, e guardo ainda em mim, com uma nitidez dolorosa, a imagem dos últimos momentos passados no cais, os que na minha vida, ate hoje, mais me custaram. Por isso me feriu imenso uma frase de uma das últimas cartas, em que falavas do batizado da filha do Soutos e de como te tinha custado veres-te sozinha no meio de muitos casais felizes. Essa tua frase foi para mim uma fonte de pensamentos tristíssimos.
                                                                                                                                                 
  Tenho pensado muito nela, e quanto mais penso mais me deprimo - e revolta um pouco. 

Francisca Graça

    Julgava, estupidamente, que o nosso filho e o nosso amor substituíssem, melhor que nada, a minha falta, pela fonte de alegria que, no meio de tanta tristeza, deverias representar. A distância apaga muita coisa, e dentro de alguns meses terás, talvez, esquecido ate o som da minha voz. O que eu te queria dizer era isto: não te julgues, se o não quiseres, amarrada a mim por qualquer vínculo. Nada te impede de fazeres o que quiseres, se o quiseres fazer.
                                                                                                                                                   És inteiramente livre, e não quereria nunca que te prendesses a um morto, se eu morrer, ou a um vivo, se eu deixar de te interessar. Desculpa. Mas gostaria mais de te ver suportar com orgulho a minha ausência, e por isso não compreendo, me recuso compreender, a tua tristeza.

Francisca Graça, Inácia Reis e Adília Anastácio


A minha vida aqui não é agradável nem fácil e, sem parvoíces heroicas, comporta um certo risco, mesmo, que me é penoso suportar, sobretudo por poder, por um azar ou acaso qualquer não te ver mais a ti e ao nosso filho.
                                                                                                                                                  
Preciso que me dês ânimo e coragem e que me ajudes a resistir a isto, e tu meu amor admirável para mim. Olha eu nem razão tenho para falar nessa frase, porque tu apenas queria dizer que tinhas saudades minhas. Eu gosto tanto de ti meu amor! O que eu queria com isto tudo é que saibas que te adoro sempre, que quero sempre viver ao teu lado. Não te zangues comigo nem me julgues mal. Eu gosto tudo de ti e sempre.

                                                                                                                                                 
Francisca Graça, Inácia Reis e Adília Anastácio

  Poucas coisas aqui acontecem de importante mias três minas, de novo sem consequências, e algumas mulheres e crianças capturadas. O resto é a tensão do costume, á espera de um ataque que felizmente não tem vindo, apesar das ameaças dele na radio de que vão arrasar Gago Coutinho. Ao mínimo estalido todos nos sobressaltamos e vai ser, decerto, difícil aguentar 2 anos esta ansiedade, porque o Brigadeiro da zona já nos informou que o batalhão anterior tinha rodado por engano e que nós não rodaríamos. Os dias são horrorosamente iguais, e tenho que olhar para o calendário aos domingos, para ver que é Domingo. Já tenho saudades de tomar banho de agua quente, o que, provavelmente só voltará a acontecer em Outubro...


Meu querido amor recebe muitos beijos e ternuras do teu marido.
António


Em Outubro havemos de vingar-nos desta tão longa ausência...


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