Minha joia muito querida,
Faz
hoje um mês que nos despedimos, e guardo ainda em mim, com uma nitidez
dolorosa, a imagem dos últimos momentos passados no cais, os que na minha vida,
ate hoje, mais me custaram. Por isso me feriu imenso uma frase de uma das últimas
cartas, em que falavas do batizado da filha do Soutos e de como te tinha
custado veres-te sozinha no meio de muitos casais felizes. Essa tua frase foi
para mim uma fonte de pensamentos tristíssimos.
Tenho
pensado muito nela, e quanto mais penso mais me deprimo - e revolta um pouco.
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Francisca Graça |
Julgava,
estupidamente, que o nosso filho e o nosso amor substituíssem, melhor que nada,
a minha falta, pela fonte de alegria que, no meio de tanta tristeza, deverias
representar. A distância apaga muita coisa, e dentro de alguns meses terás,
talvez, esquecido ate o som da minha voz. O que eu te queria dizer era isto:
não te julgues, se o não quiseres, amarrada a mim por qualquer vínculo. Nada te
impede de fazeres o que quiseres, se o quiseres fazer.
És
inteiramente livre, e não quereria nunca que te prendesses a um morto, se eu
morrer, ou a um vivo, se eu deixar de te interessar. Desculpa. Mas gostaria
mais de te ver suportar com orgulho a minha ausência, e por isso não
compreendo, me recuso compreender, a tua tristeza.
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Francisca Graça, Inácia Reis e Adília Anastácio |
A minha vida aqui
não é agradável nem fácil e, sem parvoíces heroicas, comporta um certo risco,
mesmo, que me é penoso suportar, sobretudo por poder, por um azar ou acaso
qualquer não te ver mais a ti e ao nosso filho.
Preciso
que me dês ânimo e coragem e que me ajudes a resistir a isto, e tu meu amor
admirável para mim. Olha eu nem razão tenho para falar nessa frase, porque tu
apenas queria dizer que tinhas saudades minhas. Eu gosto tanto de ti meu amor!
O que eu queria com isto tudo é que saibas que te adoro sempre, que quero
sempre viver ao teu lado. Não te zangues comigo nem me julgues mal. Eu gosto
tudo de ti e sempre.
Francisca Graça, Inácia Reis e Adília Anastácio
Poucas coisas aqui acontecem de
importante mias três minas, de novo sem consequências, e algumas mulheres e
crianças capturadas. O resto é a tensão do costume, á espera de um ataque que
felizmente não tem vindo, apesar das ameaças dele na radio de que vão arrasar
Gago Coutinho. Ao mínimo estalido todos nos sobressaltamos e vai ser, decerto,
difícil aguentar 2 anos esta ansiedade, porque o Brigadeiro da zona já nos
informou que o batalhão anterior tinha rodado por engano e que nós não
rodaríamos. Os dias são horrorosamente iguais, e tenho que olhar para o
calendário aos domingos, para ver que é Domingo. Já tenho saudades de tomar
banho de agua quente, o que, provavelmente só voltará a acontecer em Outubro...
Meu querido amor recebe muitos
beijos e ternuras do teu marido.
António
Em
Outubro havemos de vingar-nos desta tão longa ausência...
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