terça-feira, 5 de julho de 2016

Uma carta de Natal numa terra estranha

 25 de Dezembro de 61
Querida Mãezinha


Então que tal passou esse Natal? Bem não é verdade? O meu foi agradável. Sabe que tive imensos presentes? Olhe: tive um par de sapatos para trazer por casa giríssimos, parecem sapatos de noite, deu-me os pais da Mrs. Daubou, são muito simpáticos e gostam muito de mim; já me convidaram para ir ao norte de Inglaterra para o verão.
Consola-te Mãezinha, que apesar de teres uma filha rabina, todos gostam muito dela. Tenho a  impressão que é a consolação que me resta, gostarem de mim. O Senhor e a senhora deram-me um lenço de cabeça é um cachecol mohair daqueles que é também um carapuço sabe com é não é verdade? É vermelho e com uma franja branca é muito quente, e deram-me também 1 coisa para os olhos.

Uma moça portuguesa, aquela para quem eu trouxe o relógio lembra-se? Deu-me umas meias de rede de nylon. Como vê, tive bastantes presentes e cinco cartões de boas festas.
Já deves estar admirada pela falta de carta mas sabe aqui em Inglaterra têm ferias por isso as cartas agora demoram um bocado. 


Recebi ontem o seu postal de boas festas e agradeço-lhe imenso, é giríssimo. É verdade, já recebeu alguma encomenda?  Quando receber mande-me dizer também. Aqui vão mais 2 libras. Então e o que lhe parece o que achou dentro da carta, estou bem ou não? Estou com a plateia toda aberta como diz a moça que está também na fotografia. A fotografia é tirada em Londres numa das principais praças e eu estou-me a rir imenso porque estava a dizer que os pombos sujaram-me toda,mas não disse essa palavra, disse tudo por claro, por isso estava-me a rir daquela maneira. A moça é aquela que veio comigo no barco. Temos tido uns bons bocados em Londres. Isto é muito bonito mas tem feito um frio dos diabos as vezes nós lá dizemos ai que frio, essas pessoas deviam era estar aqui, é de gelar . A semana passada esteve 2 dias em que estava tudo branco parecia neve e o sol brilhava e não conseguia fazer desaparecer. Ontem véspera de natal, esteve um frio que não se podia por o nariz fora da porta. Eu se não fosse as minhas botas, e agora os meus sapatos de casa, e as minhas calças morria. Sabe que eu desde que cá estou parece-me que vesti 3 vezes saia e por bocadinhos.
Agradeço aos tios os cartões de boas festas. Essa gente está toda boa por ai não é verdade? Comprimentos à dona Gertrudinha e família.Vamos a ver se me darei bem. Devo dar-me porque eu dou-me bem com toda a gente. É uma das minha virtudes. Os senhores parecem ser muito simpáticos.
 Tenho comido que é um disparate. Hoje foi peru, ontem galo, etc. Estou muito gorda e ainda não me constipei. Está a ver não é tão mau como diziam. Preciso de escrever a Tininha, e Mãezinha diga-lhe que escrevo-lhe brevemente.


A senhora já arranjou uma moça para cá. É espanhola e não fala inglês e eu no sábado é que estive a falar com ela em espanhol. Se visses eu a falar espanhol, tenho um jeitão é fartar de rir. Mas entendeu-me. Toda a gente se admira de eu cá estar só há um mês, falo inglês com muita categoria. Por acaso falo umas coisas bem boas, já. Sou muito espertinha não sou? É pena é andar ao frio! sou uma brincalhona não sou? Ena, já viu o que escrevi? E agora um selo de 7 dinheiros, não é verdade? Bem, isto não pode continuar. 
Agora já estou a gastar muita tinta. Beijinhos para os tios e todas as pessoas conhecidas e a Mãezinha receba um grande abraço e muitas saudades da filha 
Clarinda.



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