Argel, 24 de Fevereiro de 1963
Amor,
Recebi a tua carta.
A cidade é grande e bonita, sem nada de estranho, como
qualquer cidade europeia. Talvez até mesmo Porto ou Lisboa. Os argelinos no
contacto de rua (o único que conheço) são muito gentis, sendo-o mesmo para os
franceses. Soldados e freiras francesas continuam passeando nas ruas e cafés
como se uma guerra de 7 anos não tivesse havido entre eles. Nas ruas não se
sente que esta guerra tenha acabado só há 6 meses.
Esta malta que chegou vai organizando lentamente a vida:
alguns já estão a trabalhar há 3 ou 4 semanas, arranjaram casa, roupa e comida,
mas sem cadeiras, mesas, camas, etc.
Cheguei em muito má altura porque com as festas nacionais do
Ramadão tudo está paralisado. É uma semana perdida. Estou num hotel com outro
até 4ª feira tudo comece novamente.
Quanto à tua vinda não me parece que seja possível até às
férias grandes. Não só porque se torna necessário um pouco de mais organização
para absorver a mão-de-obra, como comporta um certo risco de vida porque esta
ordem pode ser só aparente. Dir-te-ei o que me vai acontecendo e, com base
nisso vamos vendo.
Para além do que acabo de te dizer deves ponderar:
1-
Não há correspondência direta com Portugal;
2-
Se o nosso governo sabe de qualquer modo da tua
entrada aqui não poderás voltar a Portugal e por quanto tempo?
Desde 1945 que se pensa: dentro de 6 meses será o fim de
Salazar…
Um sacrifício destes só se aguenta com uma formação política
que o justifique. Para ti haverá uma justificação. Mas para a tua mãe, será
justo? Vai pensando bem para haver plena
consciência, qualquer que seja a atitude.
Muitos beijos, saudade e amor do Helder que nunca te
esquece.

Sem comentários:
Enviar um comentário